• Lisboa, 26 de outubro de 2023

    Carta Aberta sobre o SNS

    A crise que o Serviço Nacional de Saúde enfrenta actualmente e que tem levado ao êxodo de profissionais do SNS e mais recentemente à recusa de milhares de médicos de realizarem trabalho extraordinário para lá do que é legalmente exigível, tem efeitos muito para lá do atendimento à população nos Serviços de Urgência. Esta não é uma “crise das urgências”. Esta é uma crise de recursos humanos com efeitos sistémicos e muito preocupantes.

    A Medicina Intensiva é um dos elos do processo clínico em que a rotura pode ocorrer com impacto mais célere e significativo, comprometendo o acesso a cuidados clínicos adequados e a segurança da população, podendo piorar resultados de tratamento em situações de doença grave e crítica.

    Os Serviços de Medicina Intensiva (SMI) são áreas clínicas críticas que operam em regime contínuo 24/7 e abordam situações clínicas de muito alta gravidade e complexidade. Como tal obrigam a um volume elevado de trabalho extraordinário e estão neste momento altamente vulneráveis.

    A capacidade de resposta dos SMI será comprometida pela diminuição da sua lotação decorrente da redução do número de horas de trabalho disponíveis. Este facto vai, inevitavelmente, criar desequilíbrios adicionais no sistema com necessidade de concentração de doentes críticos em menos camas. Isto acarreta desde logo o risco adicional associado ao transporte inter-hospitalar de doentes instáveis, limita severamente o acesso à Medicina Intensiva, e pode comprometer a qualidade dos cuidados prestados ao forçar os Serviços a trabalhar em regime de sobrecarga.

    Neste momento há já SMI onde houve necessidade de encerrar camas no contexto da recusa de vários Colegas de realizar trabalho extraordinário além do que é exigido por lei.

    Numa tentativa de evitar o encerramento de camas, outros hospitais estão a optar por retirar a tutela das salas de emergência da esfera da Medicina Intensiva o que compromete o normal funcionamento do circuito do doente crítico.

    De forma menos visível no imediato, mas eventualmente mais impactante para o futuro não pode descurar-se o impacto na capacidade formativa e de investigação dos SMI.

    O impacto em termos de capacidade de resposta é ainda reduzido, atestando a vontade de minimizar o impacto para os doentes, mas há vários factores que se conjugam para que esta situação se possa agravar muito rapidamente.

    Por um lado, temos o arrastar das negociações entre a tutela e os sindicatos a qual, na ausência de uma resposta de consenso, continua a arrastar mais médicos para a posição da recusa.

    Paralelamente temos o início dos meses de inverno e da época da gripe que são períodos onde a carga de trabalho dos SMI aumenta de forma significativa.

    A isto acresce que, apesar de uma melhoria significativa nos últimos anos, Portugal tem (comparativamente com os restantes países da CE) uma das menores taxas de camas de Medicina Intensiva por 100 000 habitantes e uma população envelhecida e vulnerável.

    Como já referido a situação actual coloca os SMI sobre enorme pressão e é expectável que o problema se alastre aos Serviços onde os profissionais entenderam não limitar a realização de trabalho extraordinário uma vez que estes vão ser sobrecarregados pela diminuição da capacidade dos restantes.

    Não considerando de forma alguma questionável o direito dos Colegas recusarem a prestação de trabalho extraordinário para lá do exigido por lei (decisão que frequentemente acarreta prejuízo pessoal para quem a assume), nem as razões que os assistem, os signatários deste texto entendem ser crucial neste momento chamar a atenção para os riscos inerentes à inexistência de uma solução de consenso alargado.

    A raiz do problema não está na falta de vontade (ou de capacidade) dos Médicos (e em particular dos Intensivistas) cumprirem a sua missão, mas sim num modelo de organização do trabalho que se encontra desenquadrado da realidade actual.

    A inexistência de uma solução eficaz para o problema vai comprometer de forma profunda e duradoura a capacidade da Medicina Intensiva cumprir a sua missão.

    Enquanto esta discussão não produz resultados será talvez avisado considerar a reactivação de sistemas como o implementado durante a pandemia para facilitar e regular, de forma o mais equitativa possível, a transferência inter-hospitalar de doentes críticos.

    Em conclusão, é opinião dos signatários deste texto, que é urgente definir e implementar estratégias consensuais que permitam ultrapassar este momento de crise do SNS o qual não está de forma alguma limitado aos Serviços de Urgência. Sugerimos que o problema fundamental é o da capacidade do SNS atrair e reter quadro qualificados, nomeadamente médicos. Esse é o verdadeiro desafio e, hoje em dia, uma obrigação.

    Paulo Mergulhão

    Paulo Mergulhão
    Presidente da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos

    São co-signatários deste texto os seguintes especialistas de Medicina Intensiva

    Alexandre Baptista

    Ana Albuquerque

    Anabela Oliveira

    Antero Vale Fernandes

    António Pais Martins

    Armindo Ramos

    Domingos Fernandes

    Fernando Manuel Pinto Pádua

    Filipe Froes

    Filomena Faria

    Glória Cabral Campello

    João Gonçalves Pereira

    José Artur Paiva

    José Manuel Caldeiro

    José Vaz

    Luís Bento

    Luís Pereira

    Maria José Bouw

    Miguel Castelo-Branco

    Nelson Barros

    Nuno Catorze

    Nuno Germano

    Paulo Martins

    Paulo Teles Freitas

    Pedro Matos Moreira

    Pedro Silveira

    Ricardo Matos

    Rui Araújo

    Rui Moreno

    Rui Terras

    Mário de Azevedo e Castro

    Pedro Moura

    Rui Castro

    Ana Moura Gonçalves

    Abel Alves

    Vasco Laginha Rolo

    Lúcia Meireles Brandão

    Mauro Alexandre Pereira

    Carlos França

    Rita Ferreira

    João Vilaça

    Andre Leonardo Gordinho

    Marco Simões

    Maria Vieira

    Emília Trigo

    Tiago Veiga

    Bernardo Pereira

    Nádia Guimarães

    Juliana Ávila

    Mónica Almeida

    Rafael Silva

    João Frutuoso

    Cristiana Paulo

    Nelson Cardoso

    José Eduardo Mateus

    Cátia Real

    Valter Rocha

    Luís Miguel Afonso

    Manuel de Figueiredo

    Marta Pereira

    Grimanesa Azevedo Sousa

    Celeste Dias

    Orlando Pereira

    Tiago Lobo Ferreira

    Isabel Cristina Moura Nunes

    Victor Lopes

    Hélio Martins

    Teresa Cardoso

    César Vidal

    Ana Cristino

    Ana Teresa Dagge

    Rosa Ribeiro

    Nuno Principe

    Manuel Sousa

    Sónia André

    Cátia Ribeiro Santos

    José Manuel Pereira

    João Sousa Torres

    Cecília Vilaça

    Daniela Neto

    Andre Amaral Gomes

    Ana Novo

    AIDA NEVES

    Augusto Ribeiro

    Pedro Nunes

    Joana Sant’Anna

    Alexandra Dinis

    Isabel Botelho

    Ana Rafael

    Ana Martinho

    Margarida Jardim

    Ricardo Pinto Alves

    Carla Margarida Teixeira

    Bruno Pedro

    Paula Castelões

    Carina Carvalho

    José Luiz Luzio

    Ana Mesquita

    Inês Pinto Pereira

    Angela Miguel Lima

    João Francisco Martins

    Carla Basílio

    Joana Coelho

    Marco Melo

    Joao Oliveira

    Alexandre Buinhas Marques

    Sara Ledo

    Pedro Cunha

    Rita Simões

    Ana Marques

    José Miguel Sá

    Mário João Pires

    Álvaro Moreira da Silva

    Elsa Fragoso

    Ana Pessoa

    Ricardo Teixeira Dias

    Nádia Sousa Martins

    Ernestina Gomes

    Margarida Carvalho

    Ana Hipólito Reis

    Inês Mendonça

    Nuno Gatta

    Agostinho Monteiro

    Pedro Santos Gomes

    Jacobo bacariza boanco

    João Filipe Alves Mesquita Rosinhas

    Raquel Maia

    Sandra Xerinda

    Gabriela Coelho de Almeida

    Rita Marçal

    Andreia Santos

    Ana Rita Nogueira

    Doroteia Silva

    André Barbosa Ribeiro

    Margarida Canavilhas

    Maria Luísa Lopes

    Catarina Monteiro

    Igor Milet

    Diogo Lopes

    Ana Rita Francisco

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